Seguir Compartilhar Próximo blog

sábado, 10 de julho de 2010

A vida ensina - uma breve história do ensino público


                        
      O jovem professor se assustou diante da pergunta do aluno: professor, o que é átomo? Tal questionamento seria comum em um aluno que não estivesse cursando a última série do ensino médio.  Como se poderia falar sobre eletricidade sem o prévio conhecimento do comportamento das estruturas subatômicas?   Era a primeira aula de Física – a Física do 3º ano aborda os fenômenos elétricos -, início do ano letivo, e, diante do fato que alguns, ou a maioria dos alunos, não conheciam bem o conceito da estrutura atômica, o professor interrompeu o seu programa e, retornando dois anos no conteúdo, saltando da Física para a Química, dedicou suas exposições à atomística. Uma aula não foi suficiente, a segunda ainda não foi satisfatória, na terceira o professor desistiu e resolveu retornar à Física. Nas escolas públicas o curso noturno se caracteriza por seus alunos trabalharem durante o dia – o que os faz chegarem cansados e sonolentos -, terem retornado à escola depois de um tempo sem estudar, e muitos são oriundos dos programas de aceleração escolar-que os deixa desprovidos de conhecimentos básicos, indispensáveis no decorrer dos estudos. O passar dos dias veio com novas surpresas: surgiam problemas com Matemática – operações básicas -, leitura, escrita... Enfim, a maioria não tinha como acompanhar as aulas. 
   
  No segundo semestre, alguns alunos desistiram, outros progrediram e uma minoria, por talento natural ou por terem tido uma educação básica diferente, se destacaram. O professor vivia o dilema entre dar prosseguimento ao conteúdo, priorizando os que estavam progredindo, ou frear o ritmo, desvirtuando o plano de curso da matéria, nivelar por baixo. Pensou: “o discurso corrente diz que a escola deve incluir, excluir nunca. A questão é: até onde devemos assumir uma postura “inclusiva” em detrimento da seleção e do mérito? Antigamente as pessoas tinham orgulho do diploma de 2º grau. Quando recordo a alegria de minha tia ao se formar no ensino médio, e até a festa que a família fez, penso que a conclusão do segundo grau naquela época era realmente uma formatura. Parece que os responsáveis pelos rumos da educação pública buscam, nos dias de hoje, apenas índices. Desta forma obtendo, com prejuízo na qualidade do ensino, um resultado imediato. Agem como se a educação não fosse a principal riqueza de uma nação.
    O fim de ano chegou, com um alto índice de alunos que iriam fazer as provas de recuperação. Realizaram-se as provas. Os que haviam feito a prova de recuperação eram reconhecidamente deficientes na matéria, de forma que pouquíssimos passaram. Mas ainda restava uma segunda chance: o Conselho de Classe – uma instituição, composta por professores, que avaliam, subjetivamente, o rendimento e potencial do aluno para que, em caso de reprovação, apreciem seu caso. Muitos passaram de ano dessa forma. Era comum o seguinte comentário entre os professores: “se não aprendeu até aqui, não aprenderá nunca”; “a vida ensina”; “não adianta segurar este aluno, se o reprovarmos ele desiste, vamos o deixar concluir”; “ah, passa, eu não quero ver esse aluno de novo no ano que vem”. Os professores, com seus salários mal-pagos, sua jornada excessiva e pouca valorização, são, juntamente com alunos e funcionários, vítimas do sistema.
    Nas duas últimas décadas a quantidade de pessoas com diploma do ensino médio cresceu enormemente. O número de estudantes universitários também aumentou. Todos almejam ter um diploma de 3º grau, embora que, seja por falta dinheiro para pagar uma faculdade particular ou por não passar nos concorridíssimos vestibulares, poucos conseguem. Aos estudantes vindos das camadas populares, por não possuírem dinheiro e por não terem tido acesso a uma educação básica de qualidade, restam apenas os subempregos e a exclusão do mercado de trabalho.   
    
                  Vitória da Conquista, janeiro de 2006.

Nenhum comentário:

Postar um comentário