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segunda-feira, 12 de julho de 2010

Clássico é clássico

O salão estava lotado. Para onde quer que olhe o espectador desatencioso só enxerga pessoas vestidas de vermelho e preto.

Todas as cadeiras que preenchem os 20 metros quadrados da área estão ocupadas. Somente um espaço, pequeno, cerca de 2 metros por 2 estava vazio. Exatamente o espaço, a linha divisória entre o telão e os espectadores. O espaço onde brincam as crianças, o espaço da discórdia.
Havia todo o tipo de gente dentro do salão. Viúvo rico rodeado de mulher, solteiro largado, homem casado que deixou a mulher em casa, homem casado que trouxe a mulher que preferia estar em casa, enfim, pessoas que procuram diversão aos domingos e que esquecem que domingo não é mais final de semana, e sim, o primeiro dia da semana, justamente o dia do descanso, e que os homens utilizam para farrear, contrariando todas as aquiescências do Criador.



Algumas pessoas como aquelas gostavam de passar os domingos acompanhando o futebol tanto que, ao fim de cada temporada, de cada campeonato, os domingos deixavam de ter graça para eles, quase que um domingo vazio, mas, neste domingo era dia de clássico.

Os ânimos estavam acirrados. As mulheres presentes consentiam em ficar somente observando, sem tecer qualquer comentário. Elas sabem que contrariar os homens quando estes estão torcendo é jogar fósforo em fogueira acesa. Além dos mais, para a maioria delas há um quê de afrodisíaco em observar homens ferozes gritando e gesticulando feito bichos, exceto para as casadas, que dos homens sempre acham conhecer mais do que realmente conhecem.

Aliás, para as casadas são reservadas a função de cuidar das crianças que indistintamente de gênero já começam a ter contato com o futebol.
Enquanto se ouvem UUHHS e AAHHS, e outros tantos palavrões, às mães restam chamar a atenção dos filhos, respeitando, claro, a vez dos homens quando estes, por ocasiões do jogo, berram impropérios sem parar.

- Francisco Augusto sai já d.....

A mãe foi interrompida por um UHHHHH! QUASE!

- Francisco já falei menino vem já pra cá senão eu v.....

- SAI DAI SEU JUIZ FILHO DA PUTA, diz um homem sentado a direita

- SAFADO!, esbraveja outro.

- LADRÃO!, disse o homem da esquerda que, para incredulidade, da mulher era o seu marido.
O ambiente não poderia ficar mais hostil, quando o time adversário abriu o placar. Uma infinidade de impropérios fazia a voz do narrador desaparecer diante de tamanha onda sonora. Até as crianças, coitadas, corriam todas para o colo de suas mães.

O jogo prossegue e com ela a angústia da derrota e o desprazer de um domingo gasto com cachaça amargurada. Os homens passam a beber ainda mais, a fumar mais. Começa-se a cair copos e garrafas no chão. Não se sabem se por descuido ou por deliberada vontade de dissipar a ira.

- Francisco! Olha lá Carlos pede para seu filho voltar. Francisco é a última v....

- DESGRAÇADO, FAZ O GOL!

Este grito até pareceu ensaiado tão uníssono que foi.

O jogo estava acabando quando inesperadamente o pequeno Francisco corre para frente do telão, e pára. Em meio a tantos gritos de desaprovação, a mãe ouve por entre o grande ruído um grito singelo, frio, mas nem por isso menos depreciativo.

- SAI DA FRENTE, INFELIZ.

Imediatamente a mãe se estremece toda. E sem mesmo ter visto o homem, vira o corpo para trás e o identifica.

A mãe não gostou nada e se levanta furiosa, não para afrontar o homem, mas para buscar o filho.

- FRANCISCO!! VENHA CÁ.

Desta vez, até quem estava mais atrás ouviu o chamamento da mãe.

- Carlos, você ouviu o que aquele homem disse... Carlos? Tô falando!

- Oi! Fala.

- Você ouviu o que aquele homem disse?

- Que homem?

- O homem aqui atrás de nós, o careca.

- Não. O que ele disse?

- Chamou nosso filho de “infeliz”.

- Foi? Por que ele fez isso?

- Por conta do jogo ora, você não ouviu?

- Não.

- E então. Você não vai fazer nada. Não vai dizer na....

- GOOOOOOLLLLLLLL!!!!!!!!!

Vitória da Conquista, julho de 2010.

Álvaro Abreu

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