Dia desses fui convidado
pelos amigos Iago Galvão e Antônio Martins para gravar um podcast,
seria o programa piloto de uma série. Fiquei surpreso com a
proposta: os caras idealizaram um podcast sobre literatura. Ao
contrário do que o tema sugere, ao menos pros que endeusam o mundo
das letras, a proposta é de se fazer algo informal, dessacralizante.
De cara, gostei! Combinamos o dia e o local.
Eram dias corridos.
Lembrei-me do compromisso em cima da hora. Falei com Mickelle, amiga
e colega nas atividades em que eu estava imerso, e disse que
precisava gravar um programa. Convidei-a, mesmo sem consultar os
produtores do podcast se era possível levar uma convidada. Liguei
para Iago, combinei um local de encontro, já que eu não acertaria o
endereço a tempo de chegar na hora marcada e, por último, informei
que eu estava com uma amiga. Tudo certo.
No inverno, Conquista é
uma cidade fria – para muitos em todos os sentidos – e, na parte
alta da cidade, mesmo pra quem já viveu dezenas de invernos por
estas paragens, o frio assalta as carnes e chega até os ossos. Eu
estava sem agasalho, saíra cedo de casa com a promessa de um dia
quente – abusei da inocência dos que não conhecem a cidade – e,
reforçando os meus temores, Iago viera nos buscar de moto. Fui o
primeiro a ir na garupa da moto e suportei o frio. Logo após Iago
trouxe a moça e lá estavámos nos fundos da casa de Toni - como os
mais chegados chamam Antônio - uma mescla de estúdio e refúgio
para estudos.
Começamos a gravar e,
por conta do cansaço de noites mal dormidas, não achei muito legal
as minhas falas, apesar do clima descontraído que reinou. Enfim,
foi-se! Tudo bem! Programa gravado, aceitamos uma carona, dessa vez
de carro, até o centro.
- Puts, não fizemos nenhuma foto! Lembrou Toni.
Não houve grandes
lamentos, de forma que logo estávamos nos despedindo com os típicos
sorrisos de quem termina uma jornada.
Dias depois, Toni entra
em contato comigo:
- E aí velho!? Iago te
contou que vacilamos com a regulagem do microfone, gravamos sem fazer
nenhum teste e o áudio ficou inapropriadamente baixo. Precisaremos
fazer de novo, se você puder é claro! É só marcar podemos até te
buscar e tudo mais. É bom também que podemos trocar mais idéias
também! Abraço.”
- Males que vêm para bem! Tranquilo... Podemos sim..
Remarcamos. A tarde já
se findava e eu havia almoçado com Cris, uma colega professora.
Tomamos algum vinho, eu bem mais do que ela. Acompanhei-a até a sua
casa, fizemos o curto trajeto a pé. Como eu já estava meio
empastado – voz e disposição – pelo vinho de qualidade duvidosa
e a farra de carne na qual me lancei, não me fiz de rogado:
- Cris, posso beber um pouco desse gim? Disse, apontado a garrafa na estante.
- Claro, esteja a vontade.
Tomei uma dose, olhei
para o relógio do celular e disparei:
- Olha, leve a mal não, é que vou gravar um programa de rádio, na verdade não é pra rádio, mas para a internet, um podcast, sobre literatura e, como tenho que falar, e ainda me sinto meio mole, gostaria de tomar um pouco mais, pra ficar esperto e soltar a voz, sabe? Você tem um copo descartável?
- Sim, vou pegar. Sirva-se.
Despedi-me da amiga,
desci as escadas com cuidado para não derramar a bebida de cheiro
almiscarado e caminhei sob a garoa que descia no início da noite.
Dei um leve gole, saquei o celular do bolso e liguei para Iago.
- Cara, você pode vir me pegar? Estou no centro. Ligue, quando estiver descendo que passo as coordenadas.
- Certo, Lon, em vinte minutos estamos aí. Respondeu Iago do outro lado – adotando o apelido carinhoso usado por minhas tias. Além de amigo, Iago é casado com uma prima minha, logo é da família.
Eu estava na Avenida João
Pessoa, lembrei de um amigo e logo estava tocando o interfone.
- E aí, cara, beleza? Tá ocupado, posso dar um tempo aí?
- Claro, brother, de boa. Respondeu a voz.
Thiago é designer. Nos
conhecemos há alguns anos, por ocasião de uma ocupação que houve
no campus da Uesb – movimento que reinvindicava a implantação de
uma residência universitária na universidade. Depois de um tempo,
em que Thiago foi morar em outra cidade, o reencontrei, por ocasião
da produção do filme A Doce Flauta de Liberdade, fomos colegas.
Recentemente, havíamos trabalhando juntos outra vez, na idealização
e produção da Mostra Conquista Literária.
- Então, man, comecei, preciso dar um tempo aqui, enquanto espero uns brothers que vão vir me pegar. Cara, vamos gravar um programa, um podcast sobre literatura. Os caras estão com ideia muito boa: vão fazer uma sérei de programas, entrevistas com escritores, interpretação de textos e poemas – precisa ver a interpretação que Iago fez de um trecho do livro Clube da Luta, muito boa! -. A ideia é lançar na internet e, ao que parece, vai virar programa de uma rádio local. Cara, vamos convidar o pessoal que escreve na cidade, cada programa vai ter um escritor diferente. Essa coisa promete, vai somar muito com o que já estamos fazendo com a Mostra Conquistra Literária!
- Massa, brother! Muito bom mesmo! E o negócio é isso, movimentar o cenário! Não ficar esperando por órgãos, instâncias, competências! A competência quem faz somos nós mesmos!
- É.... o negócio é meter as caras e fazer. E aí, vai um gole. Disse, oferecendo o copo descartável com gin.
- Cara, não tou bebendo. Que é isso mesmo?
Ofereci o copo, Thiago
cheirou, deu uma bicada, novamente um leve gole e exclamou:
- Que cheiro bom! O que é?
- Gin. Tem um cheiro de perfume, hum?
- Muito bom. Disse Thiago, mas não voltou a beber.
Depois de alguns
instantes, meu telefone voltou a tocar. Dei o endereço para Iago e
em instantes eu estava cuprimentando Iago e Toni, este com o sorriso
sempre farto. Viu o copo em minha mão.
- Então, tomando uma? Então a entrevista será mais animada. É bom.
- Pois é.. tava meio morgado, disse, já entusiasmado com o clima fluído no interior do veículo. Camarada, continuei, dá pra parar em algum lugar, vou pegar mais alguma coisa.
Paramos em um bar, no
quebra-molas da saída que vai para a Barra do Choça, entrei no
boteco e, com o mesmo copo descartável, pedi duas doses de conhaque.
Pronto, estava abastecido, podíamos ir.
Novamente no estúdio na
casa de Toni, me senti mais familiarizado. Por garantia,
Iago logo
começou a clicar e Toni se encarregou de ligar o equipamento de
aúdio e checar a qualidade do som captado. Fotos tiradas, testes
feitos e estávamos prontos. Os meninos também se precaveram: Toni
abriu uma garrafa de vinho e não resisti ao tinto de boa qualidade.
Falamos sobre litaratura, influências, experiências de vida,
métodos, processos criativos e outras coisas que vieram no decorrer
da conversa. Não havia preocupação com roteiro de entrevista, de
forma que foi mais um bate papo que uma entrevista. Ao fim, percebi
que minha voz já estava empastada, dessa vez não pelo cansaço,
talvez um pouco, já que era alta noite, mas a mistura etílica tinha
surtido algum efeito. Faz parte, concordamos todos ao fim da
gravação. Novamente fotos, abraços e sorrisos. Elogiei a caneta
que Toni disponibilizou para as dedicatórias nos livros que
presenteei os camaradas.
Como da primeira vez, fui
de carona até o centro. Peguei o último ônibus no terminal da
Lauro de Freitas e, como que passados apenas alguns instantes, fui
acordado pelo cobrador. Abri os olhos com surpresa. Demorei alguns
instantes para reconhecer que estava no fim de linha. Ainda
sonolento, desci da condução, recebi uma lufada de um vento frio e,
por entre a garoa, tentei vislumbrar onde estava. Recobrei o senso de
orientação, estufei o peito e caminhei várias quadras até chegar
em casa.
Dias depois, vasculhando
minha bolsa à procura de não sei o quê, encontrei uma caneta
Unipin, ponta 0,1mm, fabricação japonesa. Fiquei surpreso! De quem
eu deverei ter furtado, por engano aquela caneta incomum?
Perguntei-me várias vezes. Com o intuito de devolver, mandei algumas
mensagens via Facebook para saber de quem poderia ser. Negativas. Por
fim, Iago Galvão me respondeu:
- Lon, como é a caneta?
- Uma Mitsubishi, 0,1 mm...
- Ah, no dia da gravação, você elogiou tanto a caneta que Toni te deu de presente...
Mais uma vez levado pelo néctar e o aroma dos goles neh brow, e agora pelo Gin! Entrando para o mundo das canetas raras hein seu Marlon!!! Cara, é isso aí. Qualquer pena na sua mão vai se transformar em instrumento auxiliar de criação de boas histórias e estórias. Como essa que se tornou uma bela crônica. Grande abraço cronista do subterrâneo noturno!!!
ResponderExcluirHelder Rocha