Fechou o portão, consultou a hora no visor do telefone celular e caminhou a passos largos em direção ao ponto de ônibus. O calor de início de tarde escaldava, mesmo os que se abrigavam à sombra. Não teve que esperar muito pois, por sorte, a condução logo chegou. Subiu, pagou a passagem com seu cartão de estudante e, durante esta operação, scaneou o interior da condução em busca de um lugar à sombra. O transporte estava quase vazio, meia dúzia de passageiros pingavam entre uma poltrona e outra. Escolheu um assento do lado esquerdo, cujo fator de estar à sombra foi decisivo. Deteve-se. No lado oposto, exposta aos inclementes raios solares que atravessavam as janelas, uma moça lhe sorriu.
Olá, disse a moça do sorriso hipnótico.
Olá, tudo bem? Respondeu ele timidamente.
Sentou-se e iniciou uma busca em sua memória: de onde a conhecia? Sabia que sim, mas, de onde? Tal rosto, radiante como as felizes manhãs, não poderia ser facilmente esquecido, pensou.
O ônibus deu uma guinada à esquerda e a poltrona onde tinha sentado ficou exposta ao sol. Agora a dela gozava da sombra. Hesitou por alguns instantes, levantou-se e sentou do outro lado, vizinho à conhecida icógnita.
Oi, começou ele, te conheço mas não lembro de onde.
Também te conheço, talvez seja do Facebook, respondeu a moça.
É isso, do Facebook. Interessante como vivemos. Eu, por exemplo, continuou ele, tenho mais de 1200 “amigos” virtuais mas, muitas vezes, encontro algum pela rua e nem nos falamos. Coisas dessa era na qual vivemos: muito virtual e pouco real. Você faz comunicação?
Publicidade e propaganda.
Desculpa, esqueci seu nome. Lembro dos rostos, mas esqueço os nomes.
Ah, eu também. Me chamo L. E o seu? Também esqueci, riu.
A. Não esquecerei mais seu nome.
Chicletes? Ofereceu a moça.
Não, obrigado. Estou usando aparelho ortodôntico e não posso mascar chiclé.
Retornaram para seus mundos: ela se dividia entre os fones de ouvido e uma leitura que falava sobre fé e ele, após fazer algumas ligações, abriu um texto que tratava sobre a obra de Dostoiévski. O ônibus dobrava esquinas, recebia e despejava passageiros e eles permaneciam ali, timidamente isolados. Ele não conseguia se concentrar na leitura, sua cabeça girava naquela pequena brecha de tempo, espaço, mundos de possibilidades... Pensou em como os seres humanos vivem isolados, a despeito de toda a tecnologia de comunicação que atualmente dispoem. Ilhas cercadas de ilhas, concluiu ele. Viviam conectados a milhões de facers, emails, números de celulares e toda a parafernália comunicativa que absorvia suas vidas. Ilhas de solidão e desejo, reféns de uma gaiola de aparência e de necessidade de sucesso. Atualizam seus perfis, postam fotos, citam autores famosos e, após o shut down no sistema, respiram um pouco de ar real e fecham seus portos, ilham-se.
Vencendo a inércia da timidez – o que era incomum pois não era tímido – ele puxou conversa. Soube que ela não estava indo para a faculdade naquele momento – desceria no ponto seguinte -, e que trabalhava em uma agência de publicidade. Ele fez alguns comentários sobre o mercado de trabalho, a realidade daquela cidade, ainda atrasada em termos de publicidade profissional e de como sua profissão – jornalismo – é pouco valorizada.
O ônibus se aproximou do ponto. Ela se levantou, abriu novamente o farto sorriso hipnótico e se despediu. Prometeram se falar, pessoalmente ou pelos meios eletrônicos.
Ele seguiu viagem e, nos dias seguintes, fragmentado entre leituras e escritas, compromissos e outros afazeres que a vida lhe impunha, ilhava-se...
Alberto Marlon
quarta-feira, 20 de junho de 2012
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