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domingo, 26 de junho de 2011

Conto: Parada no Casarão

                                                            * Geraldo Eloy Viana
Nas minhas passagens anteriores eu já tinha ouvido alguma coisa em relação ao que estava acontecendo próximo dali do “Barracão”, estabelecimento à beira da estrada onde se vendiam bebidas, cereais, utensílios e diversas outras coisas.  Havia no local umas seis ou sete pessoas, três homens de barbas grandes jogando baralho. E assim que pedi um refrigerante, o atendente, em voz baixa,  aconselhou-me:
- É bom o senhor não continuar a sua viagem, pois a coisa aí na frente não está nada boa!
- É mesmo? – fitei o seu rosto. – E o que é que está acontecendo?
- É outra briga dos fazendeiros inimigos. Já faz três dias que está chovendo balas por todo canto e se já não tem gente morta é por puro milagre de Deus!

Ao me aproximar dali, já uma grande preocupação vinha tomando conta de mim. Enquanto tentava vencer o mais depressa possível a precária estrada de terra, a todo momento os meus olhos se voltavam para uma certa parte do céu, onde escura aglomeração de nuvens a cada instante parecia mais ameaçadora. Se chovesse na cabeceira do rio que eu já sabia existir não muito distante e com nome de um pássaro ou de um animal que eu não conseguia me lembrar, com certeza eu não poderia atravessá-lo. No período de estio o riozinho quase não era percebido, mas na época das chuvas era o terror dos caixeiros-viajantes, pois ficar parado na estrada por tempo indeterminado era o mesmo que perda de produção.
- Mas que azar o meu! – soltei de repente. – Logo agora que esses jagunços acham de brigar, só para atrapalhar a minha viagem!
Nisso, os três barbudos jogadores, após fitarem-me por algum tempo, ergueram-se subitamente e montando os cavalos amarrados numas árvores próximas, partiram a todo galope.
- Esses que acabaram de sair é gente de lá da briga!
- É? – encarei o rapaz outra vez. – E será que eles ouviram o que eu falei?
- Não sei. Se ouviram, logo, logo, o senhor vai saber!
Estremeci subitamente. Uns quarenta minutos depois, os três cavaleiros pararam bruscamente os seus animais diante do “Barracão”. Então, sem desmontar, um deles apontou para mim e gritou:
- O patrão mandou buscar o senhor!
- E o que é que ele quer comigo?
- Lá o senhor sabe!
Voltei a olhar para o céu, dessa vez sem saber se pedia a Deus para não deixar a chuva cair ou se para me proteger. E o engraçado é que, mesmo já tomado de grande medo, mais uma vez voltei a me perguntar como era mesmo o nome do rio.
- Vamos logo! A gente vai atrás do seu carro!
Aquele tom de voz já era mais do que suficiente para que eu atendesse logo, independente do baita revólver que o indivíduo ostensivamente portava. E assim que alcançamos um certo trecho fechado da estrada, dois outros homens saíram subitamente das margens e pularam agilmente para as laterais do jipe, um em cada estribo. Não demorou muito e logo eu já parava em frente de uma enorme e antiga casa, cheia de portas e janelas, as paredes bastante estragadas. Entrei no velho casarão escoltado pelos cinco homens e mais alguns dos que ali se encontravam. Já na ampla sala, fui “entregue” ao senhor dali, o homem que mandara me buscar e que para a minha grande surpresa em nada se assemelhava à figura típica dos chamados “Coronéis” do passado, que a uma certa altura dos acontecimentos havia se fixada na minha imaginação.
Devia ter uns quarenta anos, era magro e forte, a pele de uma acentuada cor morena, boa estatura e aparência agradável. Seus crescidos cabelos já começavam a branquearem nas têmporas e estavam um tanto desalinhados. Também a barba e o bigode estavam por fazer e, exceto pelo velho jaleco de couro amarronzado, seus trajes eram tão simples quanto os dos outros homens. E como estes, calçava também já bem gastas botas e portava uma arma atravessada na cintura. Recebeu-me recostado numa antiga e enorme mesa de madeira escura e, após pedir aos seus homens para se retirarem, indicou-me uma das cadeiras que rodeavam o vetusto móvel. Então, sentando-se também, os olhos sempre fixos no meu rosto, disse:
- Ah, então era o senhor que estava falando umas coisas lá no “Barracão”, hein? 
Eu não tinha voz para nada, o coração aos pulos ante o gesto da mão se dirigindo para o cabo do revólver. Porém, para o meu enorme alívio, o homem tirou a arma e guardou-a na gaveta da grande mesa, que rangeu alto ao ser puxada com vigor.
- Mas não tenha medo, não – tornou. – Eu mandei chamar o doutor aqui para lhe pedir um grande favor. É possível?
Fitou-me novamente e só então eu percebi as acentuadas olheiras que marcavam o seu rosto. Intrigado, porém agora bem mais tranquilo, respondi incontinênti:*
- Se estiver ao meu alcance não tem problema.
- É sobre uma sobrinha minha que veio passar uns dias comigo e agora precisa sair logo daqui. O senhor pode deixar ela em SerraVerde para mim?
Mal eu tinha acabado de assentir, soaram de três estampidos tiros a intervalos como que predeterminados e a uma certa distância da casa.
- O sinal! – ouviu-se um grito lá fora.
Então, o rosto daquele homem, até aquele momento de aparência calma e cordial, fechou-se de repente numa expressão de intensa gravidade, a testa franzindo-se, os lábios se comprimindo com força, os olhos avermelhados a refletir inquietação. De comedidos, todos os seus gestos agora eram de notável agilidade e ação. Em longas, rápidas e ruidosas passadas sobre o velho piso de madeira da enorme sala, se dirigiu até o vão de uma porta que dava para o interior do casarão e gritou um nome. Voltou imediatamente, abriu a barulhenta gaveta da grande mesa, tirou o revólver e também um vistoso cinturão de couro repleto de cartuchos amarelos. Com igual destreza examinou o tambor da arma e colocou-os devidamente na cintura.
Enquanto surgia uma jovenzinha magra e de modos tímidos, o senhor do velho casarão já estava ajoelhado diante de um nicho que ficava num dos cantos da sala. E após benzer-se várias vezes e rapidamente, pegou o chapéu num rústico cabide de madeira, passou por mim fazendo vento, foi até a porta de saída, olhou para o céu e dali mesmo, a voz num tom aflito, falou:
- Pois então o senhor deixa a menina na casa dela. Só que eu nunca vou poder pagar este tamanho de favor! Mas é bom o doutor se apressar, porque se já estiver chovendo onde eu estou pensando, daqui a pouco ninguém pode atravessar o Riacho da Juriti, que fica logo aí adiante! 

* Nova ortografia setembro 2008. 
*Geraldo Eloy Vianna - Nascido em Condéuba – Ba, em 1934, Geraldo foi comerciário, bancário e caixeiro-viajante, entre outros ofícios.  Tem mais vinte contos, alguns vencedores em coletâneas locais. Foi, por duas vezes, secretário da Academia Conquistense de Letras. Seus livros são feitos por ele mesmo e, de acordo com seu estilo, têm sempre um final inesperado e surpreendente.
geraldoevianna@hotmail.com



2 comentários:

  1. Muito interessante o conto do Sr Geraldo Vianna
    Uma ótima historia
    Parabéns

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  2. A ACADEMIA MACHADENSE DE LETRAS (Machado-MG) comunica que estão
    abertas as inscrições para o VIII Concurso Plínio Motta de Poesias, do
    ano 2011. As inscrições vão até o dia 21 de outubro de 2011.
    Entrem em contato para adquirir o Regulamento:
    a/c Carlos Roberto machadocultural@gmail.com
    ESTE CONCURSO ESTÁ ABERTO PARA TODOS!

    OBS: O VALOR DA INSCRIÇÃO ( 2 REAIS) PODE SER COLOCADO DENTRO DO ENVELOPE COM AS 6 CÓPIAS DA SUA POESIA.

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