Visitas são coisas curiosas, ainda mais quando vêm sem aviso. Como em um passe de mágica lá estava ela, sentada, uma taça de vinho em uma mão e a outra a fazer cachos nos cabelos negros. Não me lembro de ter recebido notificação da companhia de energia elétrica, mas a iluminação era através de velas, grandes e coloridas, algumas já gastas. Por instantes não dissemos nada, apenas nos estudamos, como dois pugilistas antes da explosão de golpes e contatos. Não entendo muito dessas coisas de metafísica, mas havia qualquer coisa além de nossos corpos naquele encontro.
Recostou-se a um canto e me contou sobre sua vida: como uma amazona, havia cavalgado desvairadamente por montanhas, desertos e despenhadeiros de desejos e incompreensões. Ouvi suas histórias e tomei do seu vinho. Talvez os vapores tenham subido aos meus sentidos mas, em pouco, já estava envolto em uma espécie de ninho, onde misturavam-se lençóis, cabelos, suores e confissões molhadas. Experimentei um misto de medo, prazer e, a despeito de todos os cansaços, um irresistível impulso de prosseguir. Continuamos. Delirei, sei que sim. Lembro-me que lhe disse que queria lamber-lhe a alma e que, talvez nesse processo, me dissolveria em zilhões de pequenos fragmentos de querer. Em seguida, tal qual um filme em modo fast, a história da aventura humana se projetou diante de nós. Tive um momento de lucidez e achei tudo muito estranho. Arrepiei-me. Fiz menção de sair e fui detido pelo roçar de lábios em minha orelha: “existem segredos que se escondem nos mais inusitados lugares, às vezes em nós mesmos, sem sabermos. Ainda não compreendes, pois tua percepção e entendimento ainda está atrelada ao pensamento lógico e a esta realidade... no momento certo saberás...” até onde minha memória pode alcançar, estas foram suas últimas palavras que, como um anestésico, agiu em meu sistema nervoso central e forçou meus olhos e sentidos a um descanso. Já com os olhos semi cerrados, pude ver sua silhueta desaparecendo por uma porta, com os cabelos negros dançando levemente ao sabor da brisa que soprava...
Abri os olhos e os sentidos. Procurei vestígios de minha misteriosa visita. Nada. Apenas minha habitual paisagem: livros, papéis, um já ultrapassado notebook, a xícara da noite anterior, marcas e sinais na parede, tão familiares que já as conhecia de cor. Permaneci deitado, tentando digerir os acontecimentos das últimas horas. Um papa-capim pousou perto de minha janela e, na língua dos pássaros, me desejou bom dia.
Alberto Marlon
Não adianta...
ResponderExcluirSeu texto me foi lido, como num sonho...
Querido Jornalista:
ResponderExcluirParabéns pelo Excelente Texto!
O mesmo esboça acontecimentos, numa linha entre o surreal e o explicável, que conduzem o leitor à sensação ímpar de estar diante de uma tela de cinema: assistindo a um incitante filme.
Grande abraço,
Larinha Gomes
Esse texto tem uma sensualidade na medida exata.Essa criatividade mitológica á qual me referi,que me inspira,que foge da coisa comum,da realidade nua e crua.Falo daquilo que intuitivamente reconheço.
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