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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Crônica nossa de todo dia


Vista por muitos jornalistas como algo menor, sem muita importância jornalística, a crônica firma-se como um gênero que é considerado por muitos como o último resquício da literatura no jornalismo, uma espécie de mal necessário.

Em meio a uma enxurrada de fatos sérios, pesados e muitas vezes trágicos do dia-a-dia de um jornal, a crônica, ao  apresentar uma realidade recriada, vem como algo leve e sem grandes compromissos. Um alívio para o leitor sobrecarregado de eventos efêmeros da realidade jornalística. Segundo Wellington Pereira “a crônica promove uma leitura estética das banalidades, a partir do reconhecimento de uma razão sensível que constrói e reconstrói o útil e o fútil”. Talvez em função desta característica a crônica é erroneamente considerada por alguns como um texto menor.

Na imprensa, considera-se como marco inicial do gênero a fundação do seminário The Tatler, em 1709, pelos escritores ingleses Joseph Addison e Richard Steele. No periódico, as crônicas retratavam o cotidiano, reflexões morais e valores que eram reflexos do anseio burguês da época. O gênero popularizou-se pela Europa. A publicação diária de uma seção exclusiva para crônicas teve inicio na França, em 1800, no Journal des Débats

Por aqui o gênero serviu de instrumento no relato da chegada dos europeus. Acredita-se que a carta de Pero Vaz de Caminha ao soberano da Coroa Portuguesa, rei D. Manuel, é a primeira crônica em terras da América Lusitana. O documento foi redescoberto em 1773 no arquivo da Torre do Tombo. No texto, Caminha narra os acontecimentos que enredaram aquele 22 de abril de 1500. Descreve também as particularidades do Novo Mundo e traça um perfil de seus habitantes.  A crônica de pero Vaz de Caminha, além de ser considerada a certidão de nascimento do Brasil, é a nossa primeira reportagem narrativa descritiva.  Jornalismo e literatura sempre caminharam juntos, desde os primórdios.     

A história de nossa imprensa registra que os jornais eram compostos quase que exclusivamente por escritores que, por não conseguirem sobreviver apenas da literatura, ingressavam nas redações. Por outro lado, temos exemplos de jornalistas que viraram escritores, como Machado de Assis. Outro caso a destacar é o de Rubem Braga, que se firmou escrevendo exclusivamente crônicas em jornais, posteriormente seus textos foram editados e viraram livros de coletâneas.
  
Machado de Assis, Aloísio de Azevedo, José de Alencar, Quintino Bocaiúva, Paulo Barreto, Graciliano Ramos, e muitos outros grandes nomes de nossa literatura, além de terem sido célebres cronistas, tiveram seus romances publicados nos jornais, em forma de folhetim. Naquele tempo a literatura permeava substancialmente o conteúdo das publicações jornalísticas diárias.

Nos dias atuais, com o advento da Internet e da digitalização das informações, vive-se um período de intensas e rápidas mudanças, onde as múltiplas tecnologias têm imposto novas configurações nas relações humanas. A velocidade das informações tornou a realidade mais efêmera e, justamente por isso, a literatura consolida-se como a seara onde se pode mergulhar na subjetividade de um olhar caracteristicamente humano.  

Após as revoluções industriais, as cidades se firmaram como o principal modo de viver da humanidade. Dentro destas urbes pulsantes, histórias escorrem por becos e vielas, viajam por avenidas e calçadas, rompem as frestas dos barracos e saltam das janelas dos apartamentos. A condição humana clama para ser narrada! O cronista percorre a cidade, enxerga suas cores, sente seus cheiros, pisa-a e toca-a, de forma que, tal qual uma esponja, absorve nacos do cotidiano pelo caminho. Como tudo que flui precisa de movimento, por vezes a esponja precisa secar, ser torcida e espremida. Em “O Narrador”, Walter Benjamin explica que a narrativa “não está interessada em transmitir o ‘puro em si’ da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele”, imprimindo-se na narrativa a marca de quem a está contando, “como a mão do oleiro na argila do barro”. Tal é a vontade imperiosa: ser a mão do oleiro e até, às vezes, confundir-se com o barro.

Para além da vontade e necessidade do cronista em contar e divulgar suas histórias, é forçoso reconhecer a importância destas para a memória cultural de uma comunidade. São nas narrações que ficam registradas as características de determinada época, com seus valores e costumes. Não basta termos arquivos de áudio e vídeo, é preciso termos narrativas literárias, humanidade é preciso. É no olhar do narrador/personagem que o humano impregna as letras impressas no papel, ou na tela do computador, e nos faz mergulhar num oceano “humano, demasiado humano”. (Nietzsche) 

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