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segunda-feira, 26 de abril de 2010

NOITE DE IRA!



  De repente me lembrei de uma gravura religiosa que retratava os caminhos para o inferno e o paraíso: a estrada que conduzia ao paraíso era sóbria, estreita e sem maiores atrativos; em contraste, o lado que levava ao inferno e à perdição era larga, cheia de luminosos, música e luzes. Tal lembrança me veio à memória ao me deparar com a entrada para o festival de inverno 2007: uma enorme entrada, iluminada e com as imagens de algumas atrações do palco principal – Lulu Santos, Herbert Vianna Charlie Brown Júnior e Dani Carlos. Um som convidativo vinha além da entrada, as luzes ao fundo convidavam a uma realidade colorida e festiva. 
   
 A noite estava fria – clima difícil aos que não estão acostumados às noites do inverno conquistense. O acesso era subdividido em vários corredores feitos com corda, cada um para cada tipo de bilhete de entrada; havia as passagens reservadas à pista – que era maioria -, e as destinadas aos que portavam entrada especial, que dava direito ao camarote e, por fim, o corredor reservado aos credenciados. Dirigi-me a este.
    Depois de uma breve revista exibi minha pulseira com a inscrição “IMPRENSA” e entrei no Parque Teopompo de Almeida. De imediato, à minha direita, avistei a Tenda Eletrônica – espaço alternativo reservado às bandas de rock, e à música eletrônica. À minha esquerda a pista de patinação no gelo atraía os primeiros a entrar. À frente, e logo em seguida, uma infinidade de boxes exibia os mais variados produtos: motos, carros, serviços, e as mais diferentes vertentes de negócios que ornam a vitrine do consumo na vida moderna.
   Tudo muito limpo e organizado. A segurança – composta por policias militares, civis e agentes particulares – traduzia o esforço em se realizar um evento tranqüilo e sem sobressaltos. Bares, muitos bares e restaurantes, desde os tradicionais churrasquinhos e cerveja a sushis, vinhos finos e cachaças exóticas – como a que era servida no tronco do bambu, com mel e limão. As principais cozinhas da cidade marcaram presença com estruturas que não deixam nada a desejar de suas sedes originais.
   Dei uma rápida passada pelos espaços alternativos, fui à já citada pista de patinação no gelo e à tenda eletrônica – que, naquele momento era badalada ao som de Shau e os Anéis de Saturno. O espaço do forró, sem dúvida, era um dos mais movimentados. Os apreciadores do estilo se esbaldavam em pares ritmados ou acompanhavam, com um mexido característico, o som dos acordes do chamado forró universitário. Em cada espaço havia bares, das mais deferentes administrações. Era possível, por todo parque, encontrar vendedores de petiscos, cigarros, água de coco e balas. Cada metro aproveitável ao comércio foi devidamente utilizado.  
    Tendo como tema a obra de Glauber Rocha o Festival de Inverno 2007 não é só um acontecimento musical. Fazendo jus à memória do original cineasta conquistense a diversidade cultural permeia a festa.
   O Camarote, ah o Camarote do Festival. Espaço sonhado por grande maioria que não se dispõe a pagar mais – bem mais – caro ao evento. Foi um dos ambientes que despertava em mim certa ansiedade em conhecer. Confesso certo desapontamento ao subir até a área vip da festa. Além da decoração diferenciada – garçons, poltronas, tapetes, um palco, iluminação, jogo de luzes (estilo casa noturna), e seguranças mais bem vestidos e, consequentemente, mais mal-encarados – o lugar não atraía muito. È claro que os transeuntes eram diferenciados do público comum: pude reconhecer alguns membros do Poder Judiciário, empresários e gente que, a julgar pelos trajes e modos, pertenciam a uma minoria com um poder aquisitivo maior que os demais da sociedade.  Tudo era bem delimitado por claras fronteiras: grades, seguranças e, subjetivamente, uma sensação coletiva que aquele era um mundo à parte, destinado a uns poucos que, encapsulados dentro desta redoma, vivem uma festa bem distinta daquele mar de almas que os cercam. Desci os degraus me questionando se valia a pena pagar mais caro para passar o Festival alheio à pulsação e calor, tão comum nos acontecimentos onde flui a diversidade que compõe o gênero humano.
   Enfim as atrações do palco principal.  Elomar, apesar da previsão de se apresentar às 20 hs, iniciou sua cantoria duas horas depois. O público cativo acompanhou a curta apresentação com a uma reverência que beirava à idolatria. Nada mais justo. Enfim, tal artista é uma pérola que, para os apreciadores, deve ser admirada cada vez que se tem oportunidade.
   A boa produção dos anos 80 está em alta no cenário musical brasileiro, há toda uma vertente de resgate às boas produções de vinte anos atrás, e grande parte dessa safra de vinho musical é composto do bom e velho rock´roll. Sexta feira no Festival de Inverno 2007 foi, sem dúvida, uma celebração ao estilo que inspira e embalou gerações. Leoni fez o público cantar clássicos do Kid Abelha e deu mostras de seu inquestionável talento em composições nem tanto conhecidas mas, nem por isso, de menor valor.
   Logo após o show de Leoni uma notícia produziu um efeito borbulhante em meu espírito: Raquel – uma das jornalistas empenhadas na organização do evento –, numa prova de valorização às mídias alternativas, acenou com a possibilidade do meu acesso – bem como outros correspondentes - ao backstage – até então eu não possuía acesso a estes recintos. Interiormente vibrei.
   Liguei imediatamente para o meu chefe, comuniquei a boa nova e pedi o gravador digital. O colega veio de pronto, talvez tão extasiado quanto eu. Deu-me rápidas instruções de como operar o artefato e me acompanhou até à porta do camarim de Leoni. Fui apresentado Miguel Cortes – locutor do programa Som da Tribo – sob recomendação pra “colar” no cara pois, perto dele, eu me daria bem.
    Toda a imprensa já estava a postos. Senti uma sensação estranha, um sentimento de poder. Eu era um privilegiado por estar ali, a uma porta dos deuses que reinavam há pouco no palco. Naquela hora experimentei o efeito narcotizante que vicia o jornalista e o torna dependente de tal atividade.
   Enfim tive acesso ao recinto onde Leoni finalizava sua participação no festival de Inverno. O astro comia frutas e aparentava cansaço. Não havia nenhuma bebida alcoólica na mesa. O autor de muitos hits que compõe nossa memória foi, sem exagero, de uma boa vontade budista e de uma educação ímpar. Respondeu a todas as nossas perguntas. Elogiou o evento e, questionado por mim sobre um  parentesco seu na cidade, disse que tinha uma tia em Vitória da Conquista – uma prima o visitou em seu camarim. Ao final da entrevista procurei me policiar para evitar tietagem mas, diante das fotos que todos procuravam tirar junto ao ídolo, não resisti e posei junto ao ex Kid Abelha. 
   Saímos. Seguindo a recomendação do meu colega e mentor naquela atividade, segui Miguel. O segui porta adentro e, quando dei por mim, estava diante de Nasi, vocalista da banda Ira! Alguma fração de segundo foi necessária para assimilar o ambiente onde estava, demorei  para acreditar na realidade à minha volta. Rubenildo Metal, que também tinha “colado” em Miguel, se sentia à vontade no camarim: comia pizza como se estivesse entre velhos conhecidos. Nasi, sentado em uma poltrona e o cotovelo apoiado na mesa, respondia às perguntas feitas por Miguel Cortes. Um Ballantines repousava na mesa. O vocalista do Ira! tomou um gole de wísque e acendeu um cigarro. Em meio a tragadas, terminou a entrevista para o Som da Tribo. Aproveitei a deixa e perguntei a Nasi o que ele achava da atual conjuntura política do país. Demonstrando um incomum senso de realidade ele ressaltou o desapontamento frente à política nacional e criticou a seriedade de nossos políticos. Desta vez não me fiz de rogado, pedi pra tirar uma foto – confesso que sou fã da banda – e posei ao lado de uma das lendas do rock nacional.
   Saí, acompanhando meus parceiros de perambulação pelos backstages. Do lado de fora – tudo muito rápido – Miguel já entabulava conversa com uma cara alto, de gorro. Me toquei e vi que era ninguém menos que Edgard Scandurra. Muito gentil, o guitarrista do Ira! respondeu às perguntas de Miguel. Mais fotos. Minha personalidade oscilou entre o repórter e o fã. Enfim, profundamente agradecidos, nos despedimos do Edgard.
    Me senti de alma lavada. Após um rápido roteiro mental decidi os rumos do meu texto e decretei por encerrada a noite – já sabia (como depois se confirmou) que Lulu Santos não falaria com a imprensa, muito menos posaria pra fotos. O estrelismo é inversamente proporcional à sabedoria e às boas maneiras – raciocinei.
    Curti o show do Ira! Dei-me ao luxo de algumas latinhas de cerveja. Vendo aqueles caras no palco, eletrizando um público entusiasmado, vivi meu lado de fã deslumbrado.
     Vi o show acompanhado por amigos da faculdade. Um colega de curso me pediu a câmera para fazer algumas fotos, lhe cedi o aparelho. Neste intervalo de tempo lembrei que precisava de algumas informações – não tinha observado a que horas o Ira! tinha subido ao palco – entre outros detalhes. Fui à sala de imprensa e, valendo-me mais uma vez da prestativa Raquel, obtive as informações que precisava. Ao retornar recebi a câmera de volta e curti o resto da apresentação.
    Em meio a pedidos de mais, o Ira! saiu do palco às 3:40 da manha. Os demais espaços encerraram suas atividades no mesmo período. O parque se esvaziava...
    Encontrar condução não foi tarefa fácil: táxis lotados, carros saindo, um mar de gente. Um congestionamento formou-se em frente ao Parque Teopompo de Almeida.
    Ao chegar liguei meu computador, estava ansioso, não só para começar a escrever mas, também, para enviar minhas preciosas imagens ao site. Conectei a máquina fotográfica, reiniciei o computador para o devido reconhecimento do dispositivo e, estranho, só havia três imagens na câmera. Não acreditei. Algo devia estar errado. Talvez o programa de transferência de arquivos não tinha reconhecido por completo as fotos.  Desconectei o equipamento e, desesperadamente, constatei que todas as fotos, com exceção das três últimas tiradas por meu colega, haviam sido apagadas da memória da câmera fotográfica. Tive um acesso de cólera. Invoquei mil demônios. Amaldiçoei a hora que cedi a máquina ao colega. O odiei. Considerei que tal ato tinha sido feito por inveja e maldade.
     Mais frio, abandonei o julgamento anterior – me nego a acreditar nisso. Por fim me culpei. Afinal, com o material precioso que estava em mãos, nunca deveria facilitar e deixar em mãos de terceiros – ainda mais quando este já continha boa quantidade de álcool no sangue.
     Tomei um banho, fui ao bar vizinho, peguei quatro cervejas e comecei a escrever minha estória... 

                                                                                   Vitória da Conquista, julho de 2007.

3 comentários:

  1. Nossa! Que azar, hein cara? Ao menos deu um que a mais em sua noite. Ah, gostei muito da sua narrativa: envolvente.

    Antônio Santos

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  2. Creio que uma apresentação como a de Elomar num festival daquilo que o Brasil conseguiu produzir de melhor anos 80 no cativante cenário da Bahia de todos os santos deve ser algo muito descompassante.

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