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sábado, 24 de abril de 2010

A ação da solidariedade


Com uma leve puxada ajeitou o vestido pra encobrir o grande curativo branco que lhe colaram no seio esquerdo. Sentou-se devagar no sofá. Deu um leve sorriso e tornou a checar a vestimenta. Era uma cabocla de estatura média, corpo robusto e pés e mãos que indicavam a vida dura que levava. Do lado esquerdo do peito, sob o simples vestido de um rosa bem desbotado, dava pra ver as pontas de esparadrapo. Ao redor do curativo, nas axilas, braços e até perto do ombro, a pele estava mais escura, como uma queimadura.

- É a radioterapia, explicou, para duas mulheres que estavam sentadas em outro sofá, logo em frente.
- E dói? Quis saber uma, magra e mais velha.
- Dói. Tem uma ferida deste tamanho, ó! Disse, juntando as duas mãos em forma de concha. Fica saindo um líquido, parecendo uma salmoura, continuou, em voz baixa, num tom de confissão.
As duas mulheres, que dividiam o pequeno sofá, dirigiram um olhar de cúmplice para a paciente que lhes confidenciava a intimidade de sua doença. Tinha três sofás na pequena sala, além de uma espécie de cama, logo atrás de um deles. Acima, atrás e em todo lugar que desse, havia colchões e cobertores. Do lado esquerdo, em direção à porta de saída, uma TV de 20 polegadas exibia um programa sensacionalista de início de tarde.
- Vamos trocar o curativo, dona .....? Perguntou uma moça, toda de branco, dando a indicação de ser enfermeira. A senhora já tomou banho? Continuou. A paciente disse que tinha acabado de levantar, iria tomar banho e voltaria pra trocar o curativo. Ah, então tá bom, quando a senhora voltar trocaremos o curativo. Com um sorriso, a que vestia branco adiou a tarefa.
Pouco espaço. É a primeira idéia que vem à cabeça de quem visita a Casa de Apoio ao Paciente Oncológico, na rua Joana Angélica 480, Bairro Flamengo. Acima da grade, em um grande letreiro, lê-se: Cáritas Arquidiocesana – Centro de Acolhimento – “Maria Mãe de Jesus”.
Logo à entrada roupas penduradas nas grades denunciam a carência da entidade. Toalhas, camisas, calças e lençóis embandeiram aquele sítio, como que dizem: estamos aqui!


“Recebemos doentes de várias cidades da região. A casa foi fundada quando começou o tratamento de câncer aqui na cidade. Na época, eu acompanhava alguém da minha família, que fazia tratamento pra curar um câncer. Durante esse tempo vi a necessidade das pessoas que vinham de fora e não podiam ficar para continuar o tratamento, por falta de condições financeiras. Então comecei a levar alguns pra minha casa, consegui cinco leitos no Albergue Nosso Lar e fomos arrumando mais espaço pra hospedar mais gente, até que a Arquidiocese de Conquista nos cedeu essa casa. Somos mantidos pela comunidade conquistense, por escolas, igrejas, e a União Espírita. Não temos parceria política”, explicou Maria do Carmo, fundadora do projeto.
A casa possui oito quartos, sendo quatro dentro da construção – do projeto original do imóvel – e mais quatro, construídos nos fundos. Além das paredes brancas e das portas azuis, todos têm camas e colchões, de modo que qualquer espaço é aproveitado - até na pequena área, logo na entrada da residência, foi instalado um beliche. Além destas dependências, a casa tem uma cozinha, um banheiro, uma sala – que é usada como dormitório-, e mais uma sala de jantar, improvisada como depósito de remédios e onde foi colocado um sofá, para acomodar visitantes e voluntários. Tudo apertado, fazendo lembrar uma das propriedades da matéria: dois corpos não ocupam o mesmo lugar no mesmo espaço.
Sentadas no sofá, sete moças, vestidas de branco, escreviam em fichas de papel. Eram estagiárias, alunas do sétimo semestre do curso de Enfermagem de uma faculdade particular da cidade.
“Foi através de um projeto de conclusão de curso, feito por uma aluna, que vimos a necessidade de trazer os estudantes pra aprender e, ao mesmo tempo, para ajudar a Casa. Iniciamos esse trabalho na quinta feira passada (20/08), e já existe um projeto na faculdade para continuarmos essa atividade”, informou a professora do curso de Enfermagem, Vera Lúcia Vieira. Para a estagiária Morgana Bomfim, a “experiência  une o útil ao agradável, pois, além do aprendizado, pode-se contribuir para amenizar o sofrimento alheio”. Já a colega Emanuele Brandão, ressalta que “todos estão aprendendo a ter um olhar mais humano da vida e, dessa forma, vemos que todos precisam uns dos outros”. Para Emanuele Cristina, “é muito importante a vivência, pra vermos as coisas como o são”. Complementando, a estudante Paula Boaventura lembra que “o foco do trabalho é a humanização do tratamento. É muito importante ser tratado pelo nome, ao contrário da maioria dos ambientes hospitalares, em que a referência ao paciente se dá pelo número do leito ocupado”. Outra estudante, Agnes Viana, argumenta que “é uma experiência ímpar. Nossa busca é o cuidar. A cada dia que vivenciamos, nos aproximamos mais das pessoas. Imaginem que essas pessoas vêm pra cá receber o tratamento e não conhecem ninguém. E ainda tem o sofrimento de ficar longe da família, principalmente aqueles que ficam aqui por noventa dias ou mais. Então, é uma experiência única, vivenciar e colocar-se no lugar do outro. Assim, procuramos alegrar a fim de proporcionar um ambiente familiar, diferente do clima de hospital”.
Do lado de fora cordas de varais se arqueavam sob o peso das roupas que quaravam ao sol de três da tarde. Um pouco à frente, no local que em outros tempos serviria de garagem, uma mesa estava montada. Bancos, cadeiras e pequenos assentos faziam volta ao móvel que suportava três garrafas térmicas, um bule de leite e vasilhas com pães e biscoitos. Hora do lanche. Sem pressa, os que estavam na parte exterior da casa se serviam. Quase todos eram acompanhantes e boa parte dos pacientes ficava em suas camas, seja pela debilidade de suas enfermidades ou pelos estados de ânimo, normalmente sem grandes folguedos. 
A um canto, afastada da mesa de café e biscoitos, a visitante Rosimeire Santos, enquanto guardava algumas fraldas descartáveis doadas por Maria do Carmo, comentou, “minha irmã tava com um problema seríssimo no útero. Veio de Itapetinga pra tratar aqui e não tinha lugar pra ficar. Aí soubemos da casa de Maria do Carmo. Ela deu todo apoio pra gente, que não tinha condições de pagar hotel e não tinha lugar pra ficar. Quando minha irmã chegou, já estava passado o problema dela. Ficou hospedada aqui nove meses e vinte e oito dias, eu acompanhando ela. O médico fez uma cirurgia só pra dar um conforto melhor pra ela, mas já tava passado demais, né? Aí mandou ela pra casa. É câncer no útero, comeu o reto dela todo, é uma coisa triste, agora tá desenganada pelos médicos, só que ela não sabe ainda. Só quem sabe é minha família. Ela tem quarenta anos”, finalizou Rosimeire, com o olhar voltado para o interior da sacola de fraldas descartáveis.
- É a segunda vez que estou aqui, atalhou uma senhora magra, aparentando mais de sessenta anos. Estive da primeira vez há quatros anos atrás e fiquei hospedada aqui por três meses. Agora a doença voltou e preciso fazer um novo tratamento.
Mais à frente, sentado em uma cadeira, o acompanhante Tomé José Muniz, vindo de Pindaí, comentou, “estamos aqui há trinta dias, a gente mora muito longe, viajamos mais de seis horas, a estrada é muito ruim. Às vezes saímos com o horário a tempo de chegar ao médico, mas a estrada faz com que a viagem demore mais, então a gente perde o horário da consulta. Nós, que somos pobres, temos muitos problemas, um deles é o transporte, temos que apelar pras ambulâncias do Estado e da Prefeitura”.
“Estamos construindo uma nova sede - explica Maria do Carmo-, que terá recursos hospitalares: 18 enfermarias, refeitório, consultórios, sala de enfermagem e todos os recursos para que os pacientes tenham um melhor conforto. Para a construção, contamos com a preciosa colaboração do médico Valverde Mont’Alverne e do administrador Paulo Andrade. Além destes, somos auxiliados em questões burocráticas, pelos administradores Roberto, Lucimara e Osmar”.
Ficam hospedadas na casa, em média, de trinta a sessenta pessoas, entre pacientes e acompanhantes. A ajuda não se restringe apenas à hospedagem e comida, mas também na marcação de exames e obtenção de medicamentos.
“Precisamos que as pessoas se sensibilizem e que procurem ajudar de alguma forma. Temos como exemplo uma senhora, que comprou uma televisão, fez uma rifa no próprio bairro, arrecadou cinco mil reais e nos doou”, salientou Maria do Carmo, explicando que atitudes individuais fazem a diferença na manutenção de obras como essa, tão importantes para a comunidade.

  

Um comentário:

  1. um dia termino de ler esta infinidade mas gostei do que li, voce e um bom escritor jornalista e pai te AMO beijos de sua filha querida cat-chan como glauco diz HAHAHAAH HB

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