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quarta-feira, 13 de abril de 2011

Conto: O Juramento

                                                                                Geraldo Eloy Vianna*
Ele partiu chorando, na mente e no coração um propósito inabalável: Vencer, voltar e tirar o pai da mendicância. 
                                                                ***
        Tudo nele era decadência e desalinho, o físico mirrado, roupas sujas e esfarrapadas, cabelos e barba grandes e emaranhados. Mas no seu rosto havia traços nobres e, enquanto ele me estendia a sua mão trêmula e súplice, seus lábios se abriram num sorriso cristalino, tão alvos eram os seus dentes. E ao passar-lhe uma mísera moeda, notei que os seus dedos indicador e médio eram pegados um no outro. Agradeceu-me e foi se afastando no seu penoso e claudicante andar, apoiado num já bem gasto bastão.

        Agora a minha atenção estava voltada para um bem-apessoado rapaz, que não muito distante dali  tirava algo de dentro de um livro de bolso e mostrava às pessoas que ia encontrando.
        - Por favor, o senhor já viu esta pessoa por aqui?
        Era uma pequenina e esmaecida foto em preto-e-branco de um rosto masculino. Sua voz era agradabilíssima, ele era alto e forte e trajava roupas esporte de ótima qualidade, como o eram também os seus lindos tênis. O seu rosto liso e viril de um moreno meio pálido era de uma notável formação. Dos seus cabelos negros e bastos uma parte rebelde caía-lhe sobre a fronte e os seus olhos eram grandes e claros, embora me parecessem meio nublados, marejados até.
        - Não, ainda não – respondi, após olhar o velho e pálido retratinho por algum tempo e dando à minha voz o tom mais suave que pude conseguir.
        - É, tudo indica que voltei tarde demais! – disse ele, com visível desânimo, o olhar voltando-se para baixo. Mas  logo fitou o meu rosto e, enquanto agradecia, pareceu-me que ia sorrir, porém, isso ficou só no esboço mesmo.
         Continuei como que colado ali, no movimentado terminal de ônibus, observando o bonito e triste jovem, agora sentado na ponta de um banco, o pequeno livro sob os olhos. Então, quando aquela mão se estendeu para ele, aconteceu algo, tão estranho e inusitado, que pensei estar sendo vítima das minhas próprias fantasias. Subitamente, ele tomou a frágil criatura nos seus braços fortes e cobriu-lhe o rosto de beijos e mais beijos, num estado de alegria simplesmente impossível de descrever. Assim  como eu, muitos transeuntes interromperam os seus passos, olhos arregalados ante tão incrível cena. Em seguida, enquanto corria o olhar pelo movimentado local, o rapaz fez um sinal de mão e emitiu um silvo agudo e forte.
          O táxi aproximou-se incontinenti, a porta já se abrindo. Então, após com extremoso cuidado ter colocado o pobrezinho num canto do banco traseiro, achegou-se a este o melhor que pôde e, enquanto passava o braço por trás das suas costas e voltava a acariciar-lhe seguidamente, pediu ao motorista:
           - Por favor, amigão, leve-nos para o melhor hospital da cidade e o mais rápido que você puder!
           Nesse instante, vendo o livro caído no chão junto ao carro, fiz um sinal para o taxista, corri e o entreguei ao seu dono, que me presenteou com um sorriso espetacular, tal a alvura e perfeição dos seus dentes. Aliás, tudo nele era perfeito, exceto por uma certa anomalia, que agora eu via na mão que ele me estendia.
                                                                        ***

*Geraldo Eloy Vianna - Nascido em Condéuba – Ba, em 1934, Geraldo foi comerciário, bancário e caixeiro-viajante, entre outros ofícios.  Tem mais vinte contos, alguns vencedores em coletâneas locais. Foi, por duas vezes, secretário da Academia Conquistense de Letras. Seus livros são feitos por ele mesmo e, de acordo com seu estilo, têm sempre um final inesperado e surpreendente.
geraldoevianna@hotmail.com

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